quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A escola da minha cidade

No início da minha vida escolar morava em minha cidade natal, Rubim, no interior das Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha. A escola da minha cidade, o então – Grupo Escolar Cardeal Leme, era enorme. Fui estudar lá quando já ia completar 08 anos de idade. Esperei ansiosamente este dia. Tinha muita pressa, mas ninguém resolvia o meu problema. A minha mãe disse que quando faltava 01 mês para eu completar 07 anos foi fazer o meu cadastro mas a escola não aceitou. Por causa de uma diferença de 30 dias, perdi um ano de escola!! Aquilo me deixou profundamente triste e confusa. Não entendia porque eu não podia estudar. Mas o importante é que eu não perdi o otimismo e continuava esperando ansiosamente este dia.
Quando finalmente o dia chegou, não cabia em mim de tanta felicidade. Apaixonei-me pela escola!!! Ela era exatamente como eu pensava – grande e bonita. Para mim todo dia era dia de festa. Nenhuma dor atrapalhava a minha presença na escola. Tudo na escola me atraía. A professora era um exemplo de tranquilidade e paciência. Era como eu gostaria de ser quando fosse grande. A sala de aula era muito simples. Mas para mim era mágica. A aula podia durar o dia inteiro. Achava que a escola era o melhor lugar do mundo.
Naquela época, só existia uma escola na minha cidade. Era de todos, ricos e pobres. Isso era bom e ruim. Era bom porque não havia separação física entre os colegas. Mas, também era ruim porque a separação social era silenciosa, gritante e doía muito. Filhos de ricos sentavam junto aos de pobres. A diferença começava pela maneira de se vestir. Havia uniforme, mas o das meninas ricas eram mais bonitos, bem feitos. A blusa era de uma brancura de dar inveja. A minha, depois de ter passado por duas irmãs antes de mim, era velhinha e encardida. A jardineira azul marinho era desbotada. E as sandálias eram havaianas que sempre partiam as correias, porque eu só andava correndo.
Eu não sabia explicar a diferença, mas sabia que existia. Eu não entendia porque não tinha o material escolar igual ao dos meus colegas “ricos”. Todo o material deles era diferente. Lápis de cores grandes e variados, cadernos de capa dura encapados e com desenhos coloridos, caneta hidrocor - as famosas “canetinhas” , mochila, estojo.
Um dia, um fato interessante aconteceu. Eu pensava que podia usar o material dos colegas em sala de aula quando precisasse. Cismei com um colega que não quis me emprestar as canetinhas para contornar um desenho. Lembro-me que chorei tanto que a professora, comovida, convenceu o meu colega a me emprestar. Com o passar do tempo, fiquei envergonhada do que fiz. Porém, só comecei a entender quando percebi aos poucos que os meus pais não tinham condições de comprar todas aquelas coisas atrativas e bonitas para os seus 08 filhos.
Outra situação intrigante a própria escola promoveu. De vez em quando a professora mandava uns bilhetinhos para casa. Como eu ainda não sabia ler, desconhecia os assuntos. Só depois descobri que era uma consulta aos pais sobre a participação dos filhos em atividades da escola, que demandavam alguma despesa. Num triste dia, muito abatida, descobri o que tinha acontecido. Quando a aula terminou, nem todos os colegas foram embora. Percebi que alguns ficaram. Quando estava lá fora, na rua, ouvi cantigas de roda. Uma delas não saiu da memória – caranguejo não é peixe. Meus colegas estavam ensaiando músicas para apresentarem no pátio da escola.
Sofri muito. Ninguém me explicou que eu era pobre e o que isso representava. Penso que se ouvisse isso da minha professora ou dos meus pais, me ajudaria bastante resolver esse problema na minha cabeça. Não seria, como não o é, motivo de vergonha. Mas favorecia o reconhecimento de minha consciência, de construção de identidade e de expectativas de vida para o futuro.
As condições sócio-econômicas da sociedade e, portanto, das famílias constituem-se conteúdo de aula. As coisas precisam ser ditas, discutidas, para que haja reflexão da realidade e para que os sujeitos possam promover a transformação do lugar onde vivem. A escola precisa entender que no processo de formação de cidadãos é imprescindível que os alunos conheçam as suas próprias raízes. É desde cedo, a partir da consciência da sua identidade que os cidadãos descobrem-se atores das transformações sociais.
Vale destacar, que apesar de algumas tristezas, nunca deixei de “venerar” a escola. Ela continuou sendo o que de mais importante eu tinha. Essa paixão me acompanha até os dias de hoje. Para mim haverá sempre uma magia me atraindo ao mundo do saber.
Idalina Magalhães

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Nossas escolas, gaiolas ou asas?

Há escolas que são gaiolas e há escolas que são asas.

Escolas que são gaiolas existem para que os pássaros desaprendam a arte do vôo. Pássaros engaiolados são pássaros sob controle. Engaiolados, o seu dono pode levá-los para onde quiser. Pássaros engaiolados sempre têm um dono. Deixaram de ser pássaros. Porque a essência dos pássaros é o vôo.

Escolas que são asas não amam pássaros engaiolados. O que elas amam são pássaros em vôo. Existem para dar aos pássaros coragem para voar. Ensinar o vôo, isso elas não podem fazer, porque o vôo já nasce dentro dos pássaros. O vôo não pode ser ensinado. Só pode ser encorajado.
Rubem Alves