No início da minha vida escolar morava em minha cidade natal, Rubim, no interior das Minas Gerais, no Vale do Jequitinhonha. A escola da minha cidade, o então – Grupo Escolar Cardeal Leme, era enorme. Fui estudar lá quando já ia completar 08 anos de idade. Esperei ansiosamente este dia. Tinha muita pressa, mas ninguém resolvia o meu problema. A minha mãe disse que quando faltava 01 mês para eu completar 07 anos foi fazer o meu cadastro mas a escola não aceitou. Por causa de uma diferença de 30 dias, perdi um ano de escola!! Aquilo me deixou profundamente triste e confusa. Não entendia porque eu não podia estudar. Mas o importante é que eu não perdi o otimismo e continuava esperando ansiosamente este dia.
Quando finalmente o dia chegou, não cabia em mim de tanta felicidade. Apaixonei-me pela escola!!! Ela era exatamente como eu pensava – grande e bonita. Para mim todo dia era dia de festa. Nenhuma dor atrapalhava a minha presença na escola. Tudo na escola me atraía. A professora era um exemplo de tranquilidade e paciência. Era como eu gostaria de ser quando fosse grande. A sala de aula era muito simples. Mas para mim era mágica. A aula podia durar o dia inteiro. Achava que a escola era o melhor lugar do mundo.
Naquela época, só existia uma escola na minha cidade. Era de todos, ricos e pobres. Isso era bom e ruim. Era bom porque não havia separação física entre os colegas. Mas, também era ruim porque a separação social era silenciosa, gritante e doía muito. Filhos de ricos sentavam junto aos de pobres. A diferença começava pela maneira de se vestir. Havia uniforme, mas o das meninas ricas eram mais bonitos, bem feitos. A blusa era de uma brancura de dar inveja. A minha, depois de ter passado por duas irmãs antes de mim, era velhinha e encardida. A jardineira azul marinho era desbotada. E as sandálias eram havaianas que sempre partiam as correias, porque eu só andava correndo.
Eu não sabia explicar a diferença, mas sabia que existia. Eu não entendia porque não tinha o material escolar igual ao dos meus colegas “ricos”. Todo o material deles era diferente. Lápis de cores grandes e variados, cadernos de capa dura encapados e com desenhos coloridos, caneta hidrocor - as famosas “canetinhas” , mochila, estojo.
Um dia, um fato interessante aconteceu. Eu pensava que podia usar o material dos colegas em sala de aula quando precisasse. Cismei com um colega que não quis me emprestar as canetinhas para contornar um desenho. Lembro-me que chorei tanto que a professora, comovida, convenceu o meu colega a me emprestar. Com o passar do tempo, fiquei envergonhada do que fiz. Porém, só comecei a entender quando percebi aos poucos que os meus pais não tinham condições de comprar todas aquelas coisas atrativas e bonitas para os seus 08 filhos.
Outra situação intrigante a própria escola promoveu. De vez em quando a professora mandava uns bilhetinhos para casa. Como eu ainda não sabia ler, desconhecia os assuntos. Só depois descobri que era uma consulta aos pais sobre a participação dos filhos em atividades da escola, que demandavam alguma despesa. Num triste dia, muito abatida, descobri o que tinha acontecido. Quando a aula terminou, nem todos os colegas foram embora. Percebi que alguns ficaram. Quando estava lá fora, na rua, ouvi cantigas de roda. Uma delas não saiu da memória – caranguejo não é peixe. Meus colegas estavam ensaiando músicas para apresentarem no pátio da escola.
Sofri muito. Ninguém me explicou que eu era pobre e o que isso representava. Penso que se ouvisse isso da minha professora ou dos meus pais, me ajudaria bastante resolver esse problema na minha cabeça. Não seria, como não o é, motivo de vergonha. Mas favorecia o reconhecimento de minha consciência, de construção de identidade e de expectativas de vida para o futuro.
As condições sócio-econômicas da sociedade e, portanto, das famílias constituem-se conteúdo de aula. As coisas precisam ser ditas, discutidas, para que haja reflexão da realidade e para que os sujeitos possam promover a transformação do lugar onde vivem. A escola precisa entender que no processo de formação de cidadãos é imprescindível que os alunos conheçam as suas próprias raízes. É desde cedo, a partir da consciência da sua identidade que os cidadãos descobrem-se atores das transformações sociais.
Vale destacar, que apesar de algumas tristezas, nunca deixei de “venerar” a escola. Ela continuou sendo o que de mais importante eu tinha. Essa paixão me acompanha até os dias de hoje. Para mim haverá sempre uma magia me atraindo ao mundo do saber.
Idalina Magalhães
Olá colega, com certeza sua história se confude com a de muitas crianças brasileiras, do passado e dos dias atuais. O Importante é que você como tantos são ou serão vencedores. abarços!!!
ResponderExcluirIdalina! sua história é rica de conhecimento sócio-cultural e de uma reflexão "encantadora",pelo fato como você pensou e pensa até hoje, escola como um espaço ideal e de transformação. E profissão professor era despertado pelo aluno a vontade de no futuro ser um deles. Parabéns pela sua trajetória. Abraço, Celsa
ResponderExcluirLiga da Justiça
ResponderExcluirQuando era pequeno, como quase todas crianças, veneramos nossos heróis. Homem aranha, Super homem, depois vieram os japoneses Jiraya, Jaspion, Changeman, entre vários outros.
Daí crescemos, começamos a ver a vida de forma diferente, mas ainda não nem perto da sua realidade.
Quando tinha, acho que por volta dos 10 ou 11 anos, descobri o meu verdadeiro herói que ainda o é até os dias de hoje.
Ter uma irmã com todos predicados de super heroína, confesso, não é difícil nem um pouco de processar. A cada dia descubro poderes novos que tem minha heroína, mas vou dizer e tomara que os inimigos não escute o seu ponto fraco: FAMILIA. Ela consegue tomar conta de todos nós mesmo à distância, sofre se preocupa.
Não ela não vem de outro planeta ou novas dimensões. Ela vem de um passado muito difícil e tem um passado e trajetória de vida que é um exemplo para qualquer indivíduo. Suas conquistas são baseadas na força concedida por Deus.
Profissional maravilhosa,
continue sempre como você é
Te amo
Wallis
E o que dizer de um rapaz que deu a volta por cima e refez a sua vida por completo? Isso sim, é atitude de herói!! Parabéns meu amado irmão!! Mas, também, se a vida não nos oferecesse desafios, não haveria espaço para crescimento. E se na nossa vida pessoal os desafios geram crescimento, imagine no mundo do trabalho!! Pensa o quanto você já cresceu. Hoje, é um empresário!! Tenho muito orgulho de você!! Te amo de montão!!
ResponderExcluirPois é Celsa. Não é que fui movida por esse modelo? A escola é um mundo incrível! É o palco onde se iniciam as transformações! Lugar ideal para plantio e cultivo de novas mentalidades. A família é muito importante, mas não dá conta de imprimir uma mudança na vida das pessoas pelo fato de ter uma limitação sócio-espaço-cultural. Graças a Deus existem as escolas.
ResponderExcluirQuando eu vou à escola dos meus filhos, Nelma, eu fico pensando o que se passa nas cabecinhas, principalmente das meninas. Um dia, vi um menino chorando. Perguntei porque. Ele disse que o pai estava demorando muito. Fiquei com vontade de pegá-lo no colo. Pois entendi o seu sofrimento. Nossas escolas precisam de pessoas sensíveis. Que percebam os alunos como eles são. Isso não custa nada. Um dos maiores problemas é que nossas escolas, até os dias de hoje, imaginam um aluno ideal e fazem "vista grossa" aos problemas reais.
ResponderExcluir